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O futuro vem da Colômbia

Com o lançamento de seu primeiro álbum, o trio Ghetto Kumbé promove um encontro musical entre o Caribe, os Andes e a África

por Artur Tavares 25 set 2020 01h55
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(Clube Lambada/Ilustração)

s tambores batem forte e as rimas saem em um ritmo frenético. Por trás, batidas eletrônicas dão um tom singular a uma sonoridade que foi explorada até o ponto de cansar pelo mainstream musical. Na cumbia do trio colombiano Ghetto Kumbé, não há a sensualidade latina que ficou marcada com a popularização do ritmo latino nos últimos anos. Pelo contrário. Há protestos, um alerta para a urgência de causas sociais que afligem nossos tempos.

Essa reportagem fica melhor acompanhada de música. Dê o play:

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Formado em 2014 na região litorânea da Colômbia, o grupo acaba de lançar seu primeiro álbum de estúdio, o homônimo “Ghetto Kumbé”, após duas investidas em EPs, algumas turnês pelo mundo e o selo de aprovação do Boiler Room, hoje um dos canais mais importantes de música eletrônica e independente do planeta. Se a sonoridade do trio impressiona por sua visceralidade, a estética, uma mistura lisérgica dos diablos e marimondas andinos com o afrofuturismo de Sun-Ra, não fica para trás.

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(Ghetto Kumbé / Kata Garces/Divulgação)

Nós conversamos com Edgardo Garcés, cantor e produtor do grupo, sobre o lançamento do primeiro álbum, como tudo começou, arte, política e, claro, uma pandemia que custa a passar. Confira:

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Obrigado por conversar conosco. Gostaria que me contasse um pouco sobre as origens da banda, desde a formação até o lançamento desse primeiro álbum.
A banda nasce no final de 2015, quando Andrés e eu nos reunimos com a curiosidade e a vontade de buscar um pouco mais a fundo nossas raízes e nossa música ancestral. Era o boom da cumbia, e o mundo todo estava explorando o gênero. Mas, para nós, a cumbia vai mais além, para uma mescla da África e do indígena colombiano, uma combinação do tambor e da flauta indígena. Era uma curiosidade que nos levou a ir mais longe do que estava sendo tocado na cumbia, na verdade. No final de 2015 saiu nosso primeiro EP, chamado “Kumbé”, em que mesclamos um pouco de toda essa exploração dos doze meses anteriores, um encontro que resultou em um som próprio que vinha principalmente do tambor. Naquele momento, éramos um pouco mais eletrônicos, mas foi esse EP que nos deu a oportunidade de explorar essa sonoridade ao vivo, amadurecer o conceito e chegar ao ponto que queríamos com o grupo. Então, em 2017, lançamos “Soy Selva”, nosso segundo EP, que é o resultado dessa aprendizagem toda. Nele, trabalhamos com a dupla inglesa Busy Twist, que sempre esteve próxima a nós, somos amigos há muitos anos, e o resultado foi uma exposição para nosso país. Tivemos a oportunidade de levar nossa música pelo mundo, fizemos turnê pela Europa e shows em lugares que nunca havíamos imaginado visitar. Assim nasce esse primeiro álbum completo, “Ghetto Kumbé”, onde se vê plasmado todo esse conhecimento e maturidade de vários anos de trabalho e exploração.

“Para nós, a cumbia vai mais além, para uma mescla da África e do indígena colombiano, uma combinação do tambor e da flauta indígena”

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(Ghetto Kumbé/Divulgação)

Vocês são da Colômbia, com uma música que de fato abrange desde ritmos latinos até africanos. Que folclore é esse que inspira a banda?
Nós três somos do caribe colombiano, um lugar onde os tambores e a influência africana sempre fizeram parte do folclore. Nossa inspiração sempre partiu da nossa tradição, da cumbia, do porro, do bullerengue. Há muitos anos que a música africana chega até nós pelo mar. Gêneros como o soukous, que acabaram evoluindo aqui na chámpeta, têm uma riqueza impressionante, servem como inspiração para músicos não somente na Colômbia, mas em todo mundo.

Vocês tocam tambores, mas também utilizam muitos elementos eletrônicos. Como é essa versatilidade na hora de compor as músicas, e também tocá-las ao vivo?
No momento da composição, sempre partimos de um ritmo, uma levada de tambor ou um beat, tratando de fazer uma conversa entre ritmos e padrões que já são da nossa tradição ou que chegam das novas músicas africanas. A ideia de brincar com batidas eletrônicas vem com a intenção de poder chegar a lugares que nosso folclore não alcança, como festivais, clubes noturnos, um número enorme de cenários onde está uma nova geração ávida por conhecer e se interessar por nossa cultura, onde podemos perpetuá-la por muitos anos.

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(Ghetto Kumbé / Kata Garces/Divulgação)

A Colômbia é um país de geografia interessante, com florestas, praias e também os Andes. Como esses legados diferentes aparecem nas músicas de vocês?
Nascemos em um lugar lindo e somos privilegiados por termos tanta riqueza natural, mas, mesmo assim, há seres humanos com más intenções ou pouca educação. Por isso, nossas terras sofrem com as consequências da mineração, da exploração do petróleo, do carvão, das esmeraldas, das construções em larga escala. É um número sem fim de delitos que tem tornado nossas belezas cada vez mais escassas, e por isso nossa mensagem sempre tem sido a de se conscientizar do que temos em nossas terras, valorizar nossos recursos, a importância de cuidar e manter tudo em ordem. Para nós, a arte é um meio de expressão, e essa é a mensagem importante de se transmitir. Esperamos que por meio da dança possamos trazer consciência a essa mensagem.

“A ideia de brincar com batidas eletrônicas vem com a intenção de chegar a lugares que nosso folclore não alcança, como festivais, clubes noturnos, um número enorme de cenários onde está uma nova geração ávida por conhecer nossa cultura”

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A arte em geral tem se politizado bastante nos últimos anos. Como as críticas sociais aparecem na música de vocês? Quais as mensagens são importantes para hoje?
A música e a arte em geral é feita para poder expressar sentimentos e pensamentos. Para nós, a música não faz sentido se não leva uma mensagem, e no nosso caso a mensagem é direta e explícita. Queremos que seja assim, porque nos acostumamos a ouvir muitas canções sem mensagens, e isso só gera uma imitação de conceitos. Entendemos que as coisas têm que ser ditas às claras para que as pessoas não se esqueçam de certos assuntos ou problemas no mundo, nem do que fazer, especialmente em nosso país. Hoje, temos a oportunidade de transmitir essas mensagens, e continuaremos fazendo música assim.

“A música e a arte em geral é feita para poder expressar sentimentos e pensamentos. Para nós, a música não faz sentido se não leva uma mensagem, e no nosso caso a mensagem é direta e explícita”

Vocês evocam o espírito do afrofuturismo na estética do grupo e nas mensagens. É possível pensar também em um futurismo andino se formando na América Latina?
Hoje, é possível pensar em tudo. Não existe uma fórmula ou regras de como se fazer música, nem as mensagens que você quer passar com elas. O afrofuturismo nos encanta por tudo que carrega, sua história e a intenção de sempre priorizar a música africana, as tradições. Aqui na América Latina, há espaço para o afrofuturismo e para qualquer outro gênero. Você pode chamá-lo como quiser, é só ter vontade e querer fazer direito.

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A banda já voltou a tocar, ou a pandemia ainda tem afetado a rotina de vocês?
Esse período de pandemia tem sido difícil. Não somos uma banda comercial, fazemos parte de uma cena que tem aberto caminho com muito esforço ao longo dos últimos anos. A música independente é uma minoria aqui. A Colômbia é um país de música comercial e uma indústria popular gigantesca. Portanto, a situação é mais difícil. E, com os aeroportos fechados, é mais complicado viajar para buscar outras audiências. No entanto, lançar o disco nesse momento foi incrível, porque sua mensagem se espalha por si só, e seu sucesso tem nos dado força e mais vontade de enfrentar esses tempos, de ir contra o vento e a maré. 

O que você espera do futuro, quando tudo isso terminar? Acha que as pessoas estarão mais unidas e preocupadas com o mundo?
Esperamos superar toda essa loucura, e que depois as pessoas se mostrem mais agradecidas com a vida e com as pessoas ao redor. Acho que essa situação nos deu conta de que, unidos, podemos mais, e que assim somos mais fortes perante qualquer situação. Somos irmãos e somos um! Quando tudo isso acabar, esperamos estar prontos para levar toda essa mensagem com muito amor e muita sinceridade para o mundo. Estamos ávidos a transmitir nossa música e aquilo que está em nossos corações.

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(Ghetto Kumbé/Divulgação)
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