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A voz Yanomami

Ameaçado de morte, Dário Kopenawa segue na luta para garantir a terra e a sobrevivência de seu povo

por Laís Duarte Atualizado em 19 jan 2021, 17h18 - Publicado em 4 ago 2020 01h18
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(Estúdio Lambada/Ilustração)

meaçado de morte enquanto luta pela vida. É esta a situação de Dário Kopenawa, liderança yanomami que precisou sair da Terra Indígena para se proteger. Mas não se calou. Pelo contrário: Dário e seu pai, o líder, xamã e intelectual Davi Kopenawa, falam ainda mais alto para tentar conter o extermínio de sua gente. “Estou recebendo as ameaças de morte junto com meu pai, junto com outras lideranças da comunidade. Estamos sendo ameaçados por não-indígenas, invasores do garimpo ilegal. Mas estou aqui na cidade, nos defendendo, falando com as mídias, cobrando o Governo Federal”, conta. Por conta das ameaças, Dário, que deu a entrevista por videochamada, não revela sua localização exata.

Dário saiu da Terra Indígena Yanomami, mas a Terra Indígena não saiu dele. Segue com o tradicional colar no pescoço e com a preocupação de garantir a sobrevivência de sua gente. E não são poucos. Mais de 26.000 yanomamis se distribuem em mais de 300 aldeias. Algumas isoladas. Todas preservando o que resta de floresta em pé. Os povos da etnia são reconhecidos no mundo todo por sua cultura, suas riquezas ancestrais e a proteção da biodiversidade em uma vasta área, que engloba cerca de 9,6 milhões de hectares na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, no que os não-índios chamam de estados do Amazonas e de Roraima. Um território que pertence a eles desde tempos imemoriais e que foi homologado pelo Governo Federal em 1992. Porém, a estimativa do Ministério Público de Roraima é de que 20 mil garimpeiros ilegais atuem ali na extração irregular de minérios. Além do prejuízo ambiental, a ação deles pode significar um terceiro ciclo de genocídio da etnia.

 Culpa do xawara, que no idioma do povo da floresta significa as doenças trazidas pelos não-índios desde 1910, quando os yanomamis tiveram os primeiros contatos com os brancos. Em 1968, a população sofreu um surto de sarampo – estima-se que quase 80% dos indígenas tenham sido dizimados. No fim da década de 1980, o contato com não-índios contaminou mais milhares de indígenas com a doença, além de varíola e febre amarela. 

Os Yanomami no encontro de Lideranças Yanomami e Ye’kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami
Os Yanomami no encontro de Lideranças Yanomami e Ye’kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami (Victor Moriyama/ISA)

Agora, a corrida aos garimpos em meio à pandemia pode levar a mais um massacre dos povos que vivem no território. Os garimpeiros ilegais entram infectados na reserva e disseminam o novo coronavírus.  “Não-indígenas chegaram no território Yanomami pela Perimetral Norte, que entrou na nossa terra por um projeto da ditadura militar. Matou muito o meu povo. Meu bisavô e meus tios morreram. Esse xawara mata muita gente. Em 1980, com o garimpo ilegal, meu povo morreu muito, reduziu bastante, e ficaram só 22%. Agora, outro problema que chegou, que se chama coronavírus, vai matar mais ainda.  Os garimpeiros ilegais estão levando essa doença. Isso é problema sério, vai ser o genocídio como aconteceu antes”, relata Dário. 

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“Os garimpeiros ilegais estão levando essa doença [o novo coronavírus]. Isso é problema sério, vai ser o genocídio como aconteceu antes”

Dário Kopenawa

Desde março, quando surgiram os primeiros casos de covid-19 em Roraima, a Fundação Nacional do Índio (Funai) limitou o acesso às comunidades apenas a profissionais de atividades essenciais. Porém, a medida não intimidou os invasores. Em junho, uma decisão da desembargadora federal Daniele Maranhão, atendendo recurso do Ministério público Federal (MPF) em ação civil pública contra a União, o estado de Roraima e a Funai obrigou o Estado a agir para conter o avanço do garimpo nos últimos meses. Além da reativação das bases de proteção, a determinação prevê ações de fiscalização e repressão aos garimpeiros ilegais. De acordo com Marcos Wesley, indigenista do Instituto Socioambiental (ISA), as medidas ainda não saíram do papel.  “Não há, até o momento, ações eficazes para retirar os garimpeiros de dentro da Terra Indígena Yanomami e impedir que eles retornem pra lá. Ou seja,  existe sim a possibilidade de um novo genocídio contra os yanomamis”, diz ele, em entrevista por videochamada.

Lideranças Yanomami e Ye’kuana se manifestam contra garimpo em suas terras durante o primeiro Fórum de Lideranças da TI Yanomami, realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami. O fórum reuniu 116 lideranças de 26 regiões da TI, representando 53 comunidades, e 7 associações da Terra Indígena: Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), Associação das Mulheres Yanomami – Kumirayoma (AMYK), Associação Wanasseduume Ye´kwana (SEDUUME), Associação Yanomami do Rio Marauiá e do Rio Preto (KURIKAMA), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER) e Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima (HAPYR)
Lideranças Yanomami e Ye’kuana se manifestam contra garimpo em suas terras durante o primeiro Fórum de Lideranças da TI Yanomami, realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami. O fórum reuniu 116 lideranças de 26 regiões da TI, representando 53 comunidades, e 7 associações da Terra Indígena: Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), Associação das Mulheres Yanomami – Kumirayoma (AMYK), Associação Wanasseduume Ye´kwana (SEDUUME), Associação Yanomami do Rio Marauiá e do Rio Preto (KURIKAMA), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER) e Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima (HAPYR) (Victor Moriyama/ISA)

Novo genocídio indígena

Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais e Instituto Socioambiental estima que até 40% dos yanomamis podem ser infectados, tornando-os o povo indígena mais vulnerável à covid-19 no país. Desde que o primeiro adolescente yanomami, de 15 anos, morreu com a doença, em 9 de abril, o desespero se disseminou, assim como o vírus. Já são dezenas de pessoas contaminadas. Para chamar a atenção para a gravidade do problema, Dário e o pai criaram a campanha internacional “Fora garimpo, fora covid”,  apoiada pelo ISA. “Nós criamos esse fórum de lideranças, encaminhamos documentos para as autoridades, principalmente Ministério da Justiça, Presidência da República, Ministério da Saúde, Funai e Ministério Público Federal. O objetivo é pressionar o governo brasileiro, os órgãos públicos. Mas a gente não recebeu nenhuma resposta. Então, estamos fazendo a campanha para chamar atenção da sociedade brasileira e do mundo, para verem o que que está acontecendo na Terra Indígena Yanomami”, relata.

Os índios clamam há tempos, sem serem ouvidos. Porém, desde que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes relacionou a palavra “genocídio” à atuação do governo de Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, o debate se multiplicou. Saiu das aldeias para chegar aos noticiários do mundo inteiro. As denúncias de genocídio dos povos indígenas estão no discurso diário de Dário. “Hoje, o Governo Federal não está cumprindo o seu papel, o seu dever. Então, estamos cobrando para ele retirar os garimpeiros na terra Yanomami. O governo brasileiro está desrespeitando o direito dos povos indígenas. O atual presidente Jair Bolsonaro está violando os direitos dos povos da floresta, violando nossa cultura. Isso está acontecendo. O Governo Federal tem obrigação, tem o dever de proteger as terras indígenas. Ele é autoridade no nosso país. É responsável por cuidar do povo da floresta, do povo da cidade, e cuidar o meio ambiente. Se tem desmatamento, ele é o responsável”, diz ele.

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“O Governo Federal tem o dever de proteger as terras indígenas. Ele é autoridade no nosso país. É responsável por cuidar do povo da floresta, do povo da cidade e por cuidar o meio ambiente. Se tem desmatamento, ele é o responsável”

Dário Kopenawa
Os Yanomami em fileira durante o encontro de Lideranças Yanomami e Ye’kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami
Os Yanomami em fileira durante o encontro de Lideranças Yanomami e Ye’kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami (Victor Moriyama/ISA)

Dário herdou do pai o compromisso com a luta pelos direitos indígenas. Propaga pelo Brasil e pelo mundo as riquezas de sua cultura, a importância de respeitar à “terra mãe”, como ele diz. No idioma das matas, esse é o momento de olhar para a natureza e criar um novo começo, quando a pandemia acabar. “Já temos conhecimento desse xawara. Contamos com a experiência das nossas lideranças xamãs. Eles estão trabalhando, monitorando o combate ao vírus. Espiritualmente também trabalham para enfraquecer esse coronavírus e afastar do povo da floresta. Os médicos da floresta estão trabalhando agora. O xamãs estão enfraquecendo o coronavírus na Terra Indígena Yanomami”.​

Para traduzir a cultura secular de seu povo para os não-índios, ele aprendeu português na década de 1990. Tornou-se professor bilíngue, uma ponte entre os primeiros brasileiros e os que vieram depois. Ouçamos seu pedido de socorro, antes que ele, como a floresta, entre em extinção. “Estamos sofrendo de ameaça de morte, de desmatamento, de contaminação dos rios. Os nossos peixes estão morrendo por contaminação de mercúrio. Estou lutando por meu povo yanomami. Já sofremos bastante e estamos vivendo ainda. Então, disso a gente não tem o medo”.

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