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Paternidades possíveis: os pais

Conheça mais sobre os entrevistados e suas iniciativas

por Ismael dos Anjos Atualizado em 23 out 2020, 10h10 - Publicado em 23 out 2020 00h46
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(Fabrizio Lenci/Ilustração)

» LEIA TAMBÉM: Uma reportagem especial sobre a paternidade no Brasil – os números alarmantes e os homens que tentam todos os dias fazer diferente

Humberto Baltar, do Pais Pretos Presentes

“Em 2018, um dia antes do dia dos pais, eu estava esperando a minha esposa para tomarmos café na nossa padaria preferida. Quando ela chegou, disse que tinha uma notícia. Me contou que eu seria pai. Fiquei inundado de uma alegria imensa, mas logo depois bateu um receio de não estar pronto pra preparar uma criança para enfrentar o racismo estrutural que a gente conhece bem. Então, perguntei nas redes sociais quem conhecia um pai preto presente pra me apresentar. O post viralizou e os próprios pais que foram marcados na publicação deram a ideia de abrirmos um grupo no WhatsApp para falar de paternidade preta.

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(Humberto Baltar/Arquivo)

Em menos de 3 dias, um pai relatou que havia perdido a filha com meses de idade e as pessoas só consolavam a mãe. Ela recebia flores, abraços, amparo, apoio e ele nada. No áudio com a voz embargada, ele perguntava por que a sociedade não enxerga a humanidade do homem preto. Num outro relato, um pai dizia que o filho de apenas 4 anos não queria ir para escola e não dizia o porquê. Depois que ele insistiu, o filho contou que um coleguinha disse que não gosta de sentar perto de menino preto. Confesso que fiquei paralisado ao ler isso. Imaginei essa cena com o meu filho e fiquei sem resposta. Naquele momento, eu entendi que o Pais Pretos Presentes não era um grupo de bate papo, mas uma rede de apoio e acolhimento para pais pretos. Um verdadeiro espaço de cura através da escuta ativa”.

Humberto e seu filho Apolo
Humberto e seu filho Apolo (Humberto Baltar/Arquivo)

Luciano Ramos, do Promundo

“O Promundo é uma organização que trabalha com as paternidades como um momento estratégico de ressignificação das masculinidades e como um aspecto importante de fortalecimento de vínculo entre o homem e a criança pequena. Juntamente com a ressignificação de masculinidades, o Promundo busca trabalhar com homens para o alcance da equidade de gênero e um mundo livre de violências baseadas em gênero. O último relatório sobre a situação das paternidades no Brasil aponta para o cenário de homens que ainda têm dificuldades em tirar licenças paternidades estendidas. Para além disso, o relatório oferece espaço para a voz de paternidades diversas: trans, gays, pretas, de filhos ou filhas deficientes…”

“A sociedade, a partir de uma lógica branca e hegemônica, desumaniza o homem preto e retira dele a capacidade de exercer a paternidade, colocando-o no lugar de indivíduo violento e sem afeto”

Luciano Ramos
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(Luciano Ramos/Arquivo)

“Desde 2018, eu tenho dado aulas, palestras e oficinas sobre Paternidades e Masculinidades Pretas. Este é um tema muito caro pra mim, e Realizar uma análise com base histórica e sociológica é necessário! Toda história da escravidão nos mostra que o homem preto não foi trazido para o Brasil para paternar, mas para ser uma força de trabalho escravizada. E isso ainda se reflete na sociedade brasileira, muito fortemente. A sociedade, a partir de uma lógica branca e hegemônica, desumaniza o homem preto e retira dele a capacidade de exercer a paternidade, colocando-o no lugar de indivíduo violento e sem afeto”.

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Rodrigo Morais, do Força de Pai

“A gente cresce com uma imagem idealizada do pai. Meu pai é um cara bacana, mas trabalhou a vida toda, desde muito novo, e me lembro de vários dias da semana eu ir dormir e ele não tinha chegado em casa ainda. Como todas as decisões acabavam ficando com a minha mãe, os nãos normalmente saíam da minha mãe. ‘Minha mãe é chata, meu pai não fala não’. Na verdade, ele não tava ali no dia a dia para cobrar dever de casa, hora de tomar banho, parar de brincar e arrumar o quarto ou coisas do tipo. Só fui reparar em certas coisas depois que eu fui pai”.

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(Rodrigo Morais/Arquivo)

“Depois que ele se aposentou, a gente começou a ter mais contato, mas sempre foi uma coisa meio afastada, talvez pela distância entre gerações. Meu pai é de 1930, está com 90 anos, eu estou com 41. O que eu tive com ele depois da aposentadoria, eu quis tentar ter com o Vinícius desde que ele nasceu. Fazer coisas juntos, só eu e ele. E coisas que eu tento fazer diferente, como a questão do carinho. Beijo meu filho o dia inteiro, abraço. Tento conversar com ele sobre todos os assuntos possíveis. Se eu não sei, vou procurar, me informar lá no grupo com os outros pais como fazer.”

“Eu tento tornar o mundo melhor para o meu filho”

Rodrigo Morais
Rodrigo, seu filho, Vinícius e Carolina
Rodrigo, seu filho, Vinícius e Carolina (Rodrigo Morais/Arquivo)

“Eu tento tornar o mundo melhor para o meu filho mesmo. Eu quero que meu filho seja um cara que, quando ele vir uma injustiça, ele vá lá interferir, não fique calado. Isso vai fazer diferença tanto para pessoa que estiver sofrendo injustiça quanto para ele mesmo enquanto ser humano.”

Bruno Amorim, do Balaio de Pais

“Sem dúvidas, me pego pensando no que tive ou não tive para fazer ou não com meus filhos. Acredito que, pra maioria dos pais, e eu me incluo, querem sempre propiciar uma educação melhor do que a recebida, uma estabilidade financeira melhor, acesso à cultura e lazer com mais frequência e segurança. As bases morais que recebi dos meus pais, fundadas principalmente no amor e na honestidade, eu carrego comigo e replico para os meus. Vou em um sentido diferente deles quando o quesito é a liberdade do Ben e do Noah. Eles merecem conhecer o mundo como ele é, sem que estejam sempre debaixo da minha ‘asa’.

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(Bruno Amorim/Arquivo)

“Pouquíssimas vezes apanhei e não o faço com meus filhos. Acredito que as consequências de atos tem que ser didáticos em vez de punitivos apenas”

Bruno Amorim
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(Bruno Amorim/Arquivo)

Tiago Koch, do Homem Paterno

“Eu tenho o grande privilégio de ter três pais que, dentro das possibilidades, ofereceram cada um o seu melhor. Meu pai biológico, meu avô que me criou até os 6 anos e o meu padrasto, que me criou após os 6 anos – chamo ele de pai também e é o cara com quem eu tenho um vínculo mais forte por proximidade, por afinidade. Claro que tem aspectos negativos, e são esses que tento não replicar. Alguns já não repliquei, e tenho orgulho disso: estar presente na gestação, no parto, vivenciar o puerpério. Mesmo com as minhas próprias limitações, me disponibilizo a ocupar esse lugar de cuidador”.

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(Tiago Koch/Arquivo)
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(Tiago Koch/Arquivo)

Felipe Ramos, do PapodeHomem

“Minha infância e adolescência foi muito marcante para mim. Perdi minha mãe por suicídio aos 12 anos e meu pai, embora sempre muito amoroso, acabou passando um grande período em viagens a trabalho. Acabei tendo uma adolescência muito livre e com mais proximidade com tias e avós, e acredito que essa experiência foi positiva por me tornar um pai mais presente. Na minha vida, tento sempre ver o copo meio cheio em todas as vivências e experiências. Olho pra trás e tento trazer as lições do passado que mais irão ajudar a pavimentar um caminho de futuro com mais conexão e apego com o Noah que acabou de completar 3 anos”.

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(Felipe Ramos/Arquivo)

“Desde que o Noah nasceu eu tomei a decisão de priorizá-lo. A ideia de sair de São Paulo e morar na praia para ter uma vida com mais conexão com a natureza foi basicamente para conseguir oferecer um ambiente mais seguro e livre para ele crescer e onde nós e a Larissa conseguíssemos ficar mais tempo juntos. Para mim, esse é o cenário necessário para conseguir construir uma vida mais próxima ao meu filho, a ver cada detalhe do seu crescimento notando as pequenas diferenças que cada semana implicam em seu físico e comportamento”.

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(Felipe Ramos/Arquivo)

André e Angelo, do Papai e Papia

“A gente percebia, principalmente em grupos do Facebook da comunidade LGBTQIA+, que havia uma dúvida, uma sombra muito grande sobre a adoção. As pessoas tinham medo de sofrer preconceitos ou tinham na cabeça um processo torturante, que demorava 5 ou 6 anos para acontecer. Os mitos envolvendo isso e os possíveis preconceitos de não conseguir a adoção por ser gay ou coisa parecida foram o que motivou a gente a seguir adiante com essa história de Papai e Papia. É para podermos mostrar que sim, é possível montar tua família, criar a tua família. A gente está aqui. A gente existe, tá vendo? Estamos aqui, eu e Angelo, casados há 16 anos. O nosso processo de adoção, entre a inscrição e a habilitação, demorou 1 ano e 3 meses. Com 1 ano e 5 meses, as crianças já estavam aqui em casa”.

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“O principal objetivo do Papai e Papia é mostrar que uma família homoafetiva é exatamente igual a uma família heteroafetiva, em todos os aspectos. Na chatice, na normalidade, na parte boa”

Angelo
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(André e Angelo/Arquivo)
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(Ângelo e André/Arquivo)

Cézar Sant’Anna

“Quando desenvolvemos um ser humano para o mundo, precisamos entender que a primeira sociedade que ele tem como referência é o núcleo familiar e tudo que nele está presente, então é extremamente importante que sejamos a porta para todo o universo das possibilidades humanas. É necessário que a educação seja libertadora e exploratória, para que quando o filho inicie sua vida social não carregue consigo qualquer tipo de preconceito. Coletivamente, acredito que seja uma chave transformadora para um mundo mais acolhedor e seguro”.

“Antes de comunicar sobre minha transexualidade, inseri em nossa rotina o tema, trazendo outros personagens e observando como a Fernanda acolhia as informações. Com a informação mais amadurecida, comuniquei o início do tratamento e minha filha foi a única pessoa do meu vínculo social que não trouxe nenhuma resistência”

Cézar Sant'Anna
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(Cézar Sant´Anna/Arquivo)

“Se isso afetou minha parentalidade, foi para o bem! Quando a gente é feliz, reverberamos felicidade. Quando você trata um problema, aquela barreira deixa de existir e passa a ser uma ponte, e nos uniu ainda mais. Naturalmente, adquirindo as características do meu gênero tornei-me uma pessoa mais satisfeita e menos inquieta, ansiosa, depressiva. O efeito colateral foram doses homeopáticas de felicidade”.

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(Cézar Sant´Anna/Arquivo)

Felipe Favorette, do Paternatal

“Minha referência sempre foi meu pai. Seu Geraldo foi (e continua sendo) uma presença constante e ponderada mesmo nos momentos de turbulência. Sempre cuidou dos filhos (era ele que acordava cedo, fazia café da manhã, tirava a gente da cama do jeito dele e levava pra escola) e de afazeres ‘funcionais’ da casa, como feira, mercado. Tento manter algumas dessas características, mesmo em meio a loucura do dia a dia de ser médico em SP. Ele inspirou o projeto e deixou suas marcas — o bigode no logotipo do Paternatal, por exemplo.”

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(Felipe Favorette/Arquivo)

“Hoje, temos pais que conseguiram deixar o eterno papel de ‘ajudante de mãe’ e exercer realmente a paternidade. Nas consultas, deixo claro que a única coisa que não conseguimos fazer é amamentar e, mesmo assim, preciso lembrá-los de que ninguém amamenta sozinha. A nutriz precisa comer, dormir, enfim. É papel do pai tornar todo esse entorno favorável!”

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