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Orochi na humildade

O rapper mais ouvido em plataformas digitais no Brasil hoje fala sobre carreira e a fundação da produtora Mainstreet

por Artur Tavares Atualizado em 19 nov 2020, 11h43 - Publicado em 19 nov 2020 01h00
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(Clube Lambada/Ilustração)

rap se tornou pop no Brasil. Duvida? Emicida e Karol Conká estão apresentando programas de televisão no horário nobre; artistas do gênero estão pipocando em todo o Brasil, tirando a hegemonia que até pouco tempo os paulistanos tinham sobre as rimas; e jovens como Orochi, de apenas 21 anos, estampam capas de revista, batem recordes de mais de 100 milhões de visualizações no YouTube.

Garoto correria, que começou aos 13 anos nas batalhas de São Gonçalo, no subúrbio do Rio de Janeiro, Orochi é ambicioso. No começo desse ano, fundou a produtora Mainstreet, termo que tem também tatuado na cabeça, um projeto para lançar outros jovens no rap. Tem cara, jeito e ideia de bonde consolidado pelos americanos há muito tempo, mas que nunca deu muito certo no Brasil, país onde os MCs nunca se juntaram para cantar.

Mas, embora seja ambicioso, Orochi tem nas suas palavras uma franqueza que não esconde sua humildade, principalmente quando fala de seus projetos na Mainstreet. “Meus motivos no rap são muito sinceros. Ninguém brinca com o sonho de ninguém, tá ligado? É meu sonho também”, afirma, quando fala sobre cuidar da carreira dos outros.

Autor de hits como “Balão” e de “Vermelho Ferrari”, Orochi estreou em carreira solo nesse ano com o álbum Celebridade, após passar o final de sua adolescência em tentativas no rap com o grupo ModestiaParte, que depois se tornou a dupla Mode$tia. O sucesso veio mesmo cantando sozinho, e agora ele já se prepara para lançar seu segundo disco, O Último dos Românticos, no início do ano que vem.

Para além do segundo álbum, Orochi conversou conosco sobre a Mainstreet, sobre a violência policial que sofreu no início de 2020, e sobre o novo cenário do rap nacional.

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(Pedro Darua/Divulgação)

Pra começar, queria que você me contasse um pouco da sua correria. Você é jovem, tem 21 anos, mas tá brilhando no rap, nas batalhas, nos grupos e depois em carreira solo há muito tempo, né?
Comecei novinho, com 13 anos, na Batalha do Tanque, uma freestyle de São Gonçalo. Foi meu primeiro contato com o mundo do rap. Entrei na música pela necessidade, mesmo. Tive um grupo, mas acabamos perdendo o direito do nome. Rolaram alguns problemas com o produtor antigo, e isso deu uma quebrada. Era um trio, que tentou voltar como uma dupla em 2017. Mas, as coisas em casa estavam apertadas, e o grupo estava me atrasando. Tive que fazer minha correria solo porque minha mãe estava se divorciando, precisando de ajuda para pagar as contas. Daí em diante foi sucesso. O primeiro álbum, Celebridade, explodiu. Foi um meteoro, graças a Deus.

Ao que você deve essa ascensão solo?
Acredito que o talento permanece anos e anos em uma pessoa talentosa. Em 2015, comecei a fazer música com o grupo, uma época em que o rap não tinha a visibilidade que tem hoje. Mas, a gente estourava, as canções já davam milhões de acessos, batendo com o funk ostentação e com o sertanejo. O que aconteceu agora é reflexo de muita dedicação e talento, o fato de eu ter criado uma vibe nova pro meu som, e principalmente pelo trabalho em equipe. Tenho uma rapaziada forte que cuida dos meus clipes, que mixa a minha voz, que faz os beats.

“O que aconteceu agora é reflexo de muita dedicação e talento, de eu ter criado uma vibe nova pro meu som, e principalmente pelo trabalho em equipe. Tenho uma rapaziada forte que cuida dos meus clipes, mixa a minha voz, faz os beats”

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(Pedro Darua/Divulgação)

O funk ajudou o rap carioca a se desenvolver nos últimos anos?
Os primeiros MCs de funk, lá das antigas, cantavam rap. Gente como o Menor do Chapa e MC Marcinho, músicas como “Rap do Silva”, “Rap do Solitário”, “Rap das Armas”. Só depois o funk foi para um lado e o rap para outro. Hoje, houve uma reunião. Alguns artistas e o público entenderam que era a hora de voltar. Aqui no Rio, quem carregou isso primeiro foi o MC PH e o Felipe Ret. Também cheguei a fazer algumas conexões com o funk, que ajudaram a agregar, mas eles vieram antes, tiveram um acesso muito maior nas favelas. Isso abriu portas para outros virem, porque a favela já estava abraçando a ideia do trap, já estava entendendo que as ideias, a correria, o sofrimento e a vivência dos artistas eram as mesmas. O que precisava era mesmo o público entender. Antes, era difícil um artista de rap tocar em comunidade, mas hoje acontece bastante. Foi bom pra geral, não só porque abriu o público, mas porque trouxe muito mais arte dentro das comunidades. Para dois gêneros que sofrem muito preconceito, que são marginalizados, é bom se juntar. Todo mundo ganha. A união faz a força. Que bom que aconteceu na nossa geração, e que nós contribuímos com isso.

Nesse ano, você lançou Celebridade e se tornou o rapper mais ouvido em plataformas de streaming. Como você enxerga esse bom momento do rap nacional, com nomes consagrados encabeçando programas de televisão e jovens como você alcançando sucesso meteórico, capa de revista, recorde absoluto de audição?
É emocionante, porque é algo que não imaginava. Muitas vezes, desejamos que tantas coisas aconteçam sem saber quanto tempo vai levar para acontecer. Pensei que demoraria 10 anos, mas foram dez meses. Eu pensei que o meu rap ainda demoraria uns três anos para alcançar o patamar que chegou hoje, tá ligado? Meus motivos no rap e no funk são muito sinceros. Sei que alguns artistas fazem rap só porque têm condição, outros fazem porque querem tirar onda. Mas conheço vários que têm motivo para fazer. Ver que o universo está conspirando para o rap crescer é algo para se agradecer. Porque é a hora de se levantar, de poder falar coisas que antes não tínhamos condição, de ajudar a família, acertar sua vida. É Deus dando uma oportunidade para várias pessoas que precisam. Eu precisava.

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Você fundou recentemente a Mainstreet, uma produtora pra alavancar outros nomes jovens do rap carioca. Como tem sido a seleção desses outros músicos e como você transita nos gêneros que essa galera adotou?
Eu fico muito feliz de ver esses moleques, porque conheço os motivos de cada um deles para estarem no rap. Sei do sofrimento de cada um, e o quanto eles são leais. Busquei montar uma seleção de artistas reais e originais. Não queria um artista que parecesse com alguém, porque também não quero isso pra mim. Quero que me reconheçam pelo que eu faço, pelas coisas que canto. Na Mainstreet, não tem rostinho bonito, não tem ninguém falando mentira ou o que o público quer ouvir. As bases são originalidade, realidade e talento. Venho estudando a cena desde o início para encontrar esse som original. E tento passar uma boa direção, porque muitas vezes o talento se perde ainda muito jovem. Essa direção tem que ser de alguém que já passou pelo mesmo caminho, que sabe orientar onde o moleque vai perder ou ganhar dinheiro. Aqui, é tudo na transparência, é como uma irmandade. Não vou falar pro cara fazer algo só pra ganhar em cima. Ninguém brinca com o sonho de ninguém, tá ligado? É meu sonho também.

“Antes, era difícil um artista de rap tocar em comunidade, mas hoje acontece bastante. Foi bom pra geral, não só porque abriu o público, mas porque trouxe muito mais arte dentro das comunidades. Para dois gêneros que sofrem muito preconceito, que são marginalizados, é bom se juntar”

Fico feliz porque os moleques têm motivo para fazerem as coisas e correm atrás, acreditam comigo. O BIN, que estamos trabalhando há apenas quatro meses, já tem um álbum estourado, ganhou como artista revelação no Prêmio Verov, dedicado ao rap e ao trap, está botando um cachê de R$ 12 mil na pista, com agenda lotada. É uma vitória. Algo a se respeitar. Porque aqui damos a direção básica. Não falamos que vamos dar um carro pica, uma casa, R$ 100 mil. Damos o estúdio pra gravar, o clipe, a nossa visão de música, e a estrutura para produzir um álbum foda, mas cabe ao artista gerar o próprio dinheiro. A pessoa tem que vir preparada para quebrar a cabeça junto, enquanto damos nosso melhor para que a música saia na melhor qualidade. Se a música for foda, você vai ganhar dinheiro, mérito seu com apoio da firma. Então, o BIN, ele tinha feito dois shows antes de tudo. Agora paga as contas de casa, ajuda a mãe, vai comprar o carrinho dele, a casinha dele, tudo através da música.

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(Pedro Darua/Divulgação)

Tem uma coisa curiosa na Mainstreet que é fazer muita música em parcerias e sempre divulgar junto o nome de eventuais produtores dos sons, algo que o rap americano já adotou faz muito tempo e que era bem raro por aqui. Como você vê esse espírito de comunidade e como isso fortalece na profissionalização do rap?
É dar valor, né, mano? Quem leva, muitas das vezes, é só o artista, e a indústria acaba escondendo quem também importa. Nenhuma empresa funciona sem faxineiro, sem alguém que faça a obra. Na Mainstreet, valorizamos muito o produtor. No rap, é muito difícil uma parada forçada acontecer. É difícil forçar um beat só porque o artista é pica. Eu preciso conhecer o cara. Tem artista que é meu amigo, vem aqui em casa, bebe comigo, faz churrasco, joga uma bola, e até agora não lancei música junto. Mas é pra acontecer na hora certa, porque no rap todo mundo quer ver o sucesso do mano, ver o amigo dando certo. E nossa referência é mesmo a gringa, porque lá o produtor consegue se levantar, fazer o show solo dele. Se torna um artista porque é reconhecido como o criador do beat.

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Além disso, na Mainstreet, não pagamos um cachê fixo pelo beat. O produtor ganha um royalty eterno, uma porcentagem enquanto a música der lucro. Até o cara que eventualmente idealizou um projeto, criou um pedacinho de um som, ganha. Dá mais vontade de continuar trabalhando, porque você sabe que quanto mais obra assinada, mais vai pingar ali.

Como tem sido conciliar sua carreira e a Mainstreet, ainda mais agora em um momento em que você se prepara pra lançar um novo disco, O Último dos Românticos?
Tá sendo bem tranquilo, porque hoje temos três lugares pra gravar na Mainstreet. Aqui onde eu moro, onde faço meus projetos e dos nossos beatmakers. Tem a casa do Dallas, que produziu meu som “Balão”, com mais de 100 milhões de acessos orgânicos, e tem outro estúdio, que é a sede mesmo da produtora. Ainda estamos fazendo uma obra aqui perto de casa, montando três estúdios profissionais, além de sala de reunião e escritório para venda de shows. A parada tá acontecendo desse jeito. Já estou peneirando e lapidando umas 19 músicas para O Último dos Românticos, que estão prontas, além de criar outras. Porque eu nunca paro. Essa semana compus duas novas, que acho que vou colocar no álbum. Estou nesse momento de colocar duas, tirar duas. Mas quero fazer uma parada mais objetiva, não passar de 10 faixas, entre 40 minutos e uma hora.

Você vai fazer que nem o BIN, gravar clipe para todos os sons?
Não sei. Foi um trabalho árduo, mas começamos antes, nos programamos bem. Foi sucesso, duas músicas se tornaram virais, todas as outras estão com milhões de acessos. É aquela coisa, né? Os seres humanos mentem, mas os números, não. O moleque tá estourado. Agora a ideia é botar toda uma nova safra de artistas na rua. Estou querendo pegar uma rapaziada do funk também, porque é bom dar uma misturada. Mas, esse lance do BIN fluiu direitinho. E as pessoas têm que ouvi-lo mais. É um moleque que nem nós, veio de baixo, é correria, família. É merecedor.

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E você acha que hoje o Brasil já tem maturidade para desenvolver uma cena de rap instrumental, produtores de beats como o Flying Lotus?
Sim, mas é uma questão de trabalhar o produtor, como é o caso do WC no Beat. Tem que fazer com que ele seja valorizado como artista. A verdade é que no Brasil ainda não se dá o valor devido ao rap. Nos festivais de música, onde tá o público forte, o espaço é muito pequeno. Agora que estão se ligando do peso que o gênero tem. É um público enorme, um com potencial de crescer ainda mais. Na Mainstreet, temos sim essa meta de trabalhar produtores, produzir álbuns fodas, fazer explodir. Quando o público aceitar, automaticamente os grandes festivais vão querer contratar. Tudo isso faz parte do nosso sonho.

Você se considera romântico? No último mês aqui na Elástica, nós debatemos muito temas relacionados à masculinidade, e em uma reportagem levantamos temas pertinentes das masculinidades negras, como a hiperssexualização dos corpos, machismo, da violência contra a mulher preta. Como você se posiciona em relação a esses temas?
A gente tem acompanhado no Brasil essa taxa de feminicídio enorme, é escroto. Minha mãe já sofreu agressão. Sou totalmente contra qualquer tipo de abuso, assédio ou agressão contra a mulher. É uma das paradas que me deixa mais puto. Quando vejo qualquer notícia, não apenas de violência contra mulheres, mas também contra homossexuais e transsexuais, me posiciono. Já fortaleci várias na internet, divulgo vários casos, como o daquele vereador da Bahia que agrediu a mulher, e o cara foi cobrado. Estou pela causa também. Sempre quando vejo, tento me posicionar, dar amparo às vítimas. Por mais que façamos nosso rap, muitas vezes agressivo, com expressões que possam até ofender, na nossa vivência somos totalmente contra violência. Se tiver errado, vou me posicionar. Aqui é o certo pelo certo.

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(Pedro Darua/Divulgação)

Falando em violência, no começo do ano você sofreu uma apreensão porte de maconha, o que é bem ridículo. Vou te trazer outro dado aqui. Em média, o negro condenado por porte de maconha estava com 145g de cannabis, enquanto um branco em média tem que carregar mais de um quilo pra ter a mesma condenação. Como você vê essa guerra às drogas e aos usuários, e a esse extermínio preto?
O ser humano, quando chega na maior idade, tem o entendimento do que é bom pra ele. Por mim, tem que liberar as drogas. Se eu tivesse esse poder, eu legalizaria. Com a legalização, o governo ganharia do mesmo jeito, porque você teria que pagar imposto. E essa história de guerra ao tráfico nem acabaria, porque ainda traficariam armas e outras coisas. O crime está aí porque o sistema é criminoso. Mas, se legalizasse as drogas, seria a maior paz. Ninguém nem ia querer saber. Sou usuário da cannabis, tenho até prescrição médica para uso. Em relação a esses números que você passou, acho um puta preconceito, uma parada muito errada. Mas, a realidade é essa. Temos que aturar isso, e vamos ter que aturar por muito mais tempo, até liberar.

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Sobre seu novo disco, O Último dos Românticos, o que vem por aí? Você compôs durante essa quarentena, vai falar um pouco sobre isso?
Pô, você me deu uma ideia. Dá pra fazer uma música falando sobre romance na quarentena. Eu comecei a namorar agora, então é um tema maneiro. O Último dos Românticos não vai falar necessariamente só de amor. Pode ser um romance proibido, pode ser um romance de adrenalina, um romance de um casal viciado em drogas, de uma pastora com um pai de santo. O pessoal pode esperar algo novo, muita vibe, muitas reflexões. Estou buscando uma parada bem pista. Embora tenha love songs, vai soar bem noturno. Para ouvir curtindo, no carro, na festa, mas com clima de romance em algum momento.

“Quando vejo qualquer notícia, não apenas de violência contra mulheres, mas também contra homossexuais e transsexuais, me posiciono. Por mais que façamos nosso rap, muitas vezes agressivo, com expressões que possam até ofender, na nossa vivência somos totalmente contra violência”

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(Pedro Darua/Divulgação)

E o que vem por aí pela Mainstreet? Você pensa em organizar batalhas próprias, montar festivais, expandir as ações da produtora para além da música?
Com certeza. Queremos fazer o Mainstreet Festival, com temporadas trimestrais com artistas gringos, e rodar o Brasil com esse projeto. Minha ideia é até segurar um pouco a minha agenda de shows só pra vender o festival. Que é pra agregar no cenário da música como um todo. Tem que ter mais firma na música, mais gente vindo com ideias revolucionárias, pra que a gente chegue mais rápido no nível lá de fora. Quero que esse nosso baile tenha também batalha, graffitti, b-boy, skate, break dance, tudo que eu vi no meu crescimento como artista, e os shows para fechar a noite.

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