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Maquiagem de garota?

Homens se aventuram cada vez mais no mundo da maquiagem, desafiando padrões de masculinidade e abrindo portas para uma visão mais divertida dessa arte

por Giuliana Mesquita 22 set 2020 02h19
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(Clube Lambada/Ilustração)

m fevereiro de 2019, um vídeo com uma mãe flagrando seu filho de apenas 10 anos se maquiando viralizou na internet com a pergunta: “o que você faria se você entrasse no quarto e encontrasse seu filho assim?” À época, muitas das respostas ao post viral eram preconceituosas e até violentas. A estrela do vídeo é Harrison Schwartz, que hoje já acumula mais de um milhão de seguidores em seu perfil do Instagram, onde posta quase diariamente tutoriais de automaquiagem. A Fenty Beauty, marca de maquiagem de Rihanna, prontamente mandou uma caixa de produtos de presente para o menino, incentivando que ele continue com sua criação de conteúdo tão única. 

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As maquiagens coloridas, gráficas, com glitter e texturas diferentes sempre foram reservadas para mulheres. Para homens, ficava apenas a make corretiva, para cobrir manchas ou olheiras, uniformizar e matificar a pele – quando muito. Há algum tempo, isso vem mudando e há alguns fatores determinantes para que homens estejam se aventurando quando o assunto é maquiagem: os vídeos-tutoriais no YouTube (um mercado gigante e que cresce cada vez mais), a popularização do reality show RuPaul’s Drag Race – que por mais que não seja bem o assunto aqui, ajudou a normalizar homens maquiados –, e o empoderamento de homens afeminados que sempre usaram os produtos das mães ou das irmãs, mesmo que apenas dentro de casa. A masculinidade tóxica, aos poucos, vem sendo desafiada. 

“Os estereótipos tradicionais em torno da beleza estão sendo desmascarados. Os consumidores masculinos, especialmente os jovens Millennials e Gen Z, estão adotando definições mais amplas de masculinidade à medida que desafiam as normas de beleza enraizadas”, explica Fernanda Pigatto, diretora global de marketing do bureau de tendências de beleza BeautyStreams. “Isso inclui sentir-se mais livre para usar produtos que corrigem e melhoram sua aparência, sem o medo de ter sua masculinidade posta em questão”, continua. 

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(Matheus Elisei/Arquivo)

Tela em branco

Matheus Elisei teve contato com maquiagem pela primeira vez ao entrar na faculdade de Têxtil e Moda, mas mergulhou de cabeça nesse universo ao começar a trabalhar no Bonita de Pele, portal especializado em skincare e maquiagem. “Antes, eu tinha vontade de me maquiar, mas estava muito amarrado e começando a me entender como homem gay e a aceitar minha orientação”, explica. “Além de me assumir gay, também precisei me entender com essas coisas que são dadas como femininas. Sempre curti hidratante, mas eu queria mesmo era passar batom”. 

Apesar de ter se iniciado no mundo dos pincéis com glitters e gloss, hoje ele curte se aventurar com maquiagens misturando várias cores e extrapolando os olhos. “Nunca quis fazer um olhinho marrom, queria me divertir. Nunca gostei de base e corretivo. Se eu puder fazer uma coisa só, prefiro fazer um olhão”, conta. Essas aventuras de quem nunca foi alvo dos padrões pré-estabelecidos da sociedade sobre a maquiagem também abrem uma nova porta para as mulheres, que enxergam essas makes como novas referências. Entre suas inspirações, Matheus aponta Trixxie Mattel, drag queen de RuPaul’s que faz uma make carregada divertida, a série The Carrie Diaries, que conta a história de Carrie Bradshaw logo que chegou em Nova York, nos anos 1980, e, claro, Pabllo Vittar. “Ela abriu muitas conversas dentro da casa das pessoas. A Pabllo facilita essas conversas sobre gênero, liberdade e qualquer coisa queer. Agora tem uma pessoa no mainstream para quem podemos apontar quando essas discussões surgem”, aponta.

“Além de me assumir gay, também precisei me entender com essas coisas que são dadas como femininas. Sempre curti hidratante, mas eu queria mesmo era passar batom”

Matheus Elisei
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(Matheus Elisei/Arquivo)

Esses entendimentos, além de serem difíceis, são carregados de diversas situações de preconceito, mesmo dentro do universo gay. Matheus conta que já foi assediado no metrô e no transporte público, mesmo quando ainda não se maquiava, por causa da sua postura mais feminina. Hoje, ele não se maquia todo dia, mas sente que tem muito mais liberdade, tanto pelo lugar em que trabalha quanto pelos ambientes que frequenta. “Não vou pegar o trem às 7h da manhã com meu olho colorido tanto por preguiça, como parcialmente por medo. Tem uma questão de tempo, de manhã não costumo fazer, mas capricho quando é pra sair a noite. Principalmente porque os bares e baladas sempre foram um ambiente mais seguro, cheios de pessoas que vão te acolher”, completa.

Quem também gosta de se montar para a noite é Daniel Kalleb, criador de conteúdo carioca que, durante a quarentena, começou a fazer vídeos de maquiagem toda sexta-feira em seu Instagram – e não espere makes básicas por lá. Mas nem sempre foi assim. Kalleb começou a se maquiar em 2017 quando foi com um amigo comprar um corretivo em uma loja. Ali, se apaixonou e começou a pedir produtos emprestados a amigos maquiadores. “Comecei testando, olhando, aprendendo os mecanismos, fazendo um côncavo, um delineado… É tipo desenhar, tem que praticar”, explica. Essa mistura de imagens masculinas e femininas sempre interessou Daniel. “Gosto de explorar esse meu lado queer. Algumas pessoas não entendem muito a proposta, mas as mais próximas e quem me encontra pela primeira vez veem que eu sou uma estrela”, brinca, rindo. 

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Essa diversão ao abordar um assunto que sempre pareceu uma prisão para as mulheres é um dos motivos pelos quais é tão interessante que esses homens estejam se aventurando nesse mundo. Brincar com as definições de gênero e o que é esperado de cada um é, mais do que uma libertação, uma tendência de mercado. “A indústria da beleza evoluiu em uma direção muito mais inclusiva e se libertou de estereótipos de gênero há muito estabelecidos. As marcas estão empregando cada vez mais um tom de voz consistente, seja falando com homens ou mulheres, e estão convidando consumidores de todo o espectro de gênero a experimentar, brincar e se expressar”, completa Fernanda, da BeautyStreams. Marcas que enxergaram isso e dão cada vez mais espaço para todos em seus campanhas – como a Fenty Beauty e a Jeffrey Star – saem na frente.

“A indústria da beleza evoluiu em uma direção muito mais inclusiva e se libertou de estereótipos de gênero há muito estabelecidos, convidando consumidores de todo o espectro de gênero a experimentar, brincar e se expressar”

Fernanda Pigatto
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(Gabriel Watoniki/Arquivo)

Ele faz a arte dele

Mais do que pigmento nos olhos, na boca ou nas bochechas, muitos homens têm encontrado na maquiagem também uma oportunidade de criar. Um dos nomes mais impressionantes quando falamos de automaquiagem artística no Brasil é Gabriel Watoniki. Com apenas 25 anos, o designer faz arte no rosto com pincéis, extrapolando os limites da maquiagem convencional. “Meu primeiro contato com maquiagem foi durante a faculdade, em uma oficina de drag queens em que fui modelo. Me interessei e comecei a assistir vídeos no YouTube todos os dias”, lembra. No final de 2018, investiu em uma câmera, em produtos e começou a criar para sua página no Instagram. Gabriel conta que desenha desde pequeno, fez aulas de pintura à óleo e desenho artístico, então sempre esteve em contato com esse mundo. 

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(Gabriel Watoniki/Arquivo)

“Drag é uma porta de entrada ‘fácil’, porque você vê muita gente fazendo, então me pareceu natural ir por esse caminho. Pode ser que para algumas pessoas, assim como foi pra mim, seja uma etapa para entender o rosto, os materiais, os pincéis”, explica. Como suas maquiagens são mais artísticas, Watoniki cria para se retratar e abrir horizontes de quem sempre enxergou essa arte como estritamente corretiva.

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(Maah Way/Arquivo)
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(Maah Way/Arquivo)

Já para Matheus Mota, sua drag é como um personagem separado, que não interfere tanto nas maquiagens próprias. “Ela é uma versão maravilhosa, poderosa e sem limites que vive aqui dentro”, explica o maquiador, que entrou nesse mundo para passar por um processo de autoconhecimento. “Era como uma fuga. Eu precisava me expressar de alguma forma, expressar meus sentimentos e dar vida ao artista que eu sabia que existia aqui dentro. De início, era algo íntimo e que, futuramente, acabou virando minha profissão”, conta. Matheus entrou em um curso de make e logo conseguiu um trabalho como balconista em uma loja de cosméticos, onde aprendeu a lidar com o público e conhecer os produtos de beleza mais a fundo. 

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(Maah Way/Arquivo)

Desde o início, Mota sempre se automaquiou. “Diferente da minha drag, minha maquiagem ‘boy’ pode ser algo clean, uma pele de bonita e um olho com glitter ou um delineado bafo. Eu acredito que a maquiagem é pra ser divertida, livre, sem regras e para expressar sua identidade e singularidade”, comenta o maquiador. Apesar de adorar se montar, Matheus também gosta de enxergar sua pele livre, sem nenhum produto, e reserva as maquiagens para momentos de inspiração. Sobre preconceito, ele é assertivo: “por ser afeminado e gordo, já havia conhecido o preconceito na pele desde cedo. Com a maquiagem, não foi diferente, mas me maquiar era tão libertador que não permiti que, mais uma vez, a ignorância das pessoas me atingisse.”

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