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Prazer, Lido Pimienta

Conheça a artista colombiana que abocanhou duas indicações ao Grammy, quer representar as mulheres latinas de verdade e não se contenta só em cantar

por Alexandre Makhlouf Atualizado em 14 dez 2020, 17h14 - Publicado em 10 dez 2020 02h13
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(Clube Lambada/Ilustração)

té dois meses atrás, eu nunca tinha ouvido falar em Lido Pimienta. Quem me apresentou essa cantora colombiana de 34 anos foi a Kareen, nossa diretora de arte aqui na Elástica. Recebi o perfil de Lido pelo inbox do Instagram e, segundos depois, já estava semi-obcecado com sua estética, suas músicas e sua versatilidade. Kareen e eu passamos o dia trocando posts na DM sobre a estética de Lido, seu trabalho de ilustrações e pinturas, suas canções. E foi inevitável que quiséssemos entrevistá-la, ainda que a probabilidade de uma resposta, na minha cabeça, não fosse das maiores.

Acontece que, entre o dia que começamos a segui-la no Instagram e o dia de enviar o e-mail solicitando um papo com ela, Lido Pimienta recebeu duas indicações ao Grammy – uma na categoria de Melhor Álbum de Música Alternativa na versão latina do prêmio e outra para Melhor Álbum de Rock Latino ou Música Alternativa na versão “gringa”, como ela mesma se refere. Ambas coroam o segundo álbum da artista, Miss Colombia, como uma das mais importantes produções do ano para a música latina, que parece fervilhar no mundo todo. O número de mulheres latinas alçadas à categoria de popstar parece crescer mais a cada dia, mas Lido subverte esse status produzindo uma música com pegada mais indie, com identidade visual menos sexualizada e mais quinceañera.

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(Lido Pimienta/Reprodução)

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Mesmo trilhando um caminho não tão próximo do mainstream pop, a resposta de Lido sobre a indicação ao Grammy ainda surpreende. “Eu não sou uma entertainer, uma pessoa do showbiz, eu sou uma artista. As coisas que eu faço são extremamente egoístas, tudo para o meu próprio prazer. Se você gostar, que ótimo, mas eu não estou fazendo nada para você”, dispara, sem um pingo de arrogância, apenas sinceridade. Conversei com Lido (por videochamada, já que ela atualmente mora no Canadá e continuamos atravessando uma pandemia), durante quase uma hora sobre Miss Colombia, representatividade latina na música e na mídia, suas muitas facetas artísticas e maternidade. Confira o papo completo aqui embaixo:

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Primeiro de tudo, parabéns pelas indicações ao Grammy! Como você se sente ao concorrer na categoria Melhor Álbum de Música Alternativa? Aliás, ainda dá pra falar em “música alternativa” em um mundo tão globalizado como o de agora?
Eu acho que meu álbum é o álbum do ano, que tem a música do ano, melhor videoclipe, melhor direção de arte… e falo isso pensando no Grammy Latino e no Grammy “gringo”. Claro que é uma grande conquista e estou animada, ainda mais porque não sou uma artista super popular, daquelas que faz vídeos com coreografias. Eu não falo a língua do pop, não sou o que você esperaria da América Latina no Grammy. Mas teria sido ainda melhor – para o Grammy como instituição, inclusive – se eles tivessem reconhecido meu trabalho, minhas músicas épicas, fora de uma categoria tão engessada. A categoria “melhor álbum alternativo” sempre junta todos os esquisitos, aqueles que não se encaixam necessariamente nas outras. Estou indicada na mesma categoria que o Fito Páez, por exemplo, e ele é um dinossauro da música, no melhor sentido da palavra. Para mim, ele é pop. É tudo sobre essa percepção e estou feliz de não me importar tanto com isso. No fim do dia, sei que isso é só mais uma ferramenta para que meu trabalho fique conhecido. E sei também que um Grammy é mais importante para as pessoas que trabalham comigo do que para mim. Até porque uma categoria “latina” é tão abrangente… Se eles tivessem dito que Miss Colombia estava indicado em pop, ou em urban, eu concordaria. Quem é que decide o que é pop e o que não é? É só um rótulo e, para a maioria dos artistas, a importância é ter várias chances em segmentos distintos, porque isso aumenta suas chances de ser conhecido e ganhar mais dinheiro dentro de uma indústria extremamente competitiva. Seja como for, eu ainda acho um milagre estar indicada.

Mesmo?
Sim, sério. Tem tantos músicos maravilhosos que nunca são reconhecidos por essas premiações. E eu acho que meu estilo me deixa um pouco nesse lugar. Não me vejo nessa categoria de artistas que conseguem agradar o mundo, mas… aqui estamos!

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Antes da Rosalía, do J Balvin e de outros cantores latinos, você já trazia sua cultura e falava sobre representatividade em suas músicas, colocando a Colômbia no mapa de uma outra maneira. O que te inspira na hora de criar?
Olha, ainda não sei te dizer se sou parte da indústria da música ou não. Por ter nascido na Colômbia, na costa norte do país, onde existe uma cena musical incrível, cresci ouvindo e tendo referências que formaram quem eu sou. Quando comecei a tocar, aos 11 anos, eu era do metal e do hardcore. Todo mundo na minha banda tinha mais do que 20 anos e eu era claramente o bebê em meio a esses caras mais velhos. Foi natural para mim, não fiz aula de música nenhuma, acho que era um talento mesmo. Quando me mudei para o Canadá, tive que começar do zero. Em 2010, lancei um álbum no MySpace, que foi ouvido por algumas pessoas e isso me deu uma plataforma online, um status de “queridinha colombiana”. Eu tinha uns 21 anos na época e nenhuma ideia do que eu estava fazendo: não tinha um agente, não tinha aconselhamento de como seguir com a minha carreira. Muitas pessoas na indústria tiraram vantagem de mim por conta disso. Mas teve um lado positivo também: eu faço parte de um momento em que a música indie em espanhol, vinda da América do Sul, podia ser experimental, sem grandes investimentos e coreografias malucas. Foi um momento também em que pessoas na Europa e nos Estados Unidos estavam dispostas a consumir músicas em espanhol, o que é incrível. Se não fosse por causa de pessoas como eu e outras dessa cena independente, alternativa, não existiria Rosalía, J Balvin e outros expoentes. Nós pudemos apresentar nossa música de uma maneira que não parecesse estrangeira para esses mercados, especialmente o norte-americano. Mostramos nossa música de um jeito autêntico e isso tornou mais difícil que eles nos categorizassem, tipo “olha só aquela latina que rebola muito”. Foi um tempo confuso, mas bonito, e hoje eu vejo que a gente pavimentou o caminho para que esses popstars latinos dominem a nossa indústria.


“Se não fosse por causa de pessoas como eu e outras dessa cena independente, alternativa, não existiria Rosalía, J Balvin e outros expoentes. Nós pudemos apresentar nossa música de uma maneira que não parecesse estrangeira para esses mercados”

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(Daniella Murillo/Divulgação)

Ainda sobre representatividade, o que mais precisamos mudar na indústria para que mais mulheres latinas sejam reconhecidas?
Já existem mulheres latinas no show business, o problema é que as mulheres latinas escolhidas são brancas. Elas são latinas, claro, porque nasceram na América Latina. Mas não necessariamente nos representam, não têm nossas características, não falam com quem nós realmente somos. Você não pode achar que está tudo bem em ter muitas representantes latinas quando todas elas são brancas, certo? A música mais popular na América Latina – e no mundo – é a black music, que surgiu com as pessoas negras. No contexto da música, você não pode achar que o que temos agora é representatividade real. Sério, estamos em 2020, é frustrante que ainda precisemos falar disso. Eu amo que muitas pessoas se posicionem e me perguntem sobre isso. Na verdade, se eu pudesse pedir uma coisa, seria apenas que as pessoas que mandam tivessem mais bom gosto (risos).

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Qual foi o turning point da sua carreira?
Ainda estou esperando por ele (risos). Acho que nunca falei isso em entrevistas. O Grammy ou qualquer outro prêmio que me derem, não penso muito sobre isso porque eu sou mãe. Só estamos conseguindo bater esse papo na sala da minha casa hoje porque minha filha menor está no parque com o pai dela. Se eu não tivesse um agente maravilhoso, focado no trabalho dele, para dizer que eu fui indicada e faço parte de tais listas de prêmios, eu não teria ideia. Minha vida é voltada para ser artista, aquela artista que cria coisas, que está sempre pensando em novos videoclipes, mas que também se expressa através da pintura, que se interessa por tecidos, que faz cerâmicas, tudo isso além da música. Isso é uma proteção para mim, porque muitas pessoas que querem fazer parte da indústria da música estão mais preocupadas com os números do que com suas artes. Eu não sou uma entertainer, uma pessoa do showbiz, eu sou uma artista. As coisas que eu faço são extremamente egoístas, tudo para o meu próprio prazer. Se você gostar, que ótimo, mas eu não estou fazendo nada para você. Quando você é um performer, você faz as coisas para a sua audiência. Seu trabalho tem milhões de views porque existe um time de pessoas pesquisando qual é a fórmula atual para aquela música, aquele clipe ter sucesso, qual é o beat da tendência. Eu não faço isso, porque eu acredito que eu sou minha própria tendência. Eu percebo que, há 10 anos, eu já fazia muito do que está sendo feito agora, mas eu não tinha Instagram e não falava disso.


“Eu não sou uma entertainer, uma pessoa do showbiz, eu sou uma artista. As coisas que eu faço são extremamente egoístas, tudo para o meu próprio prazer. Se você gostar, que ótimo, mas eu não estou fazendo nada para você. Quando você é um performer, você faz as coisas para a sua audiência”

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(David D Barajas/Divulgação)

Isso te surpreende?
Acho engraçado: quando eu ganhei o Polaris, em 2017, falei para o meu empresário: “eles deram o prêmio para o álbum errado, deveriam ter esperado uns anos e dado para Miss Colombia”. Claro que eu gostei, mas foi assim que eu me senti. Agora, com indicações para o Grammy Latino e o Grammy gringo, eu entendi e fez mais sentido na minha cabeça. Ano que vem, espero ter ainda mais indicações, porque cada álbum é uma oportunidade de crescimento, de aprendizado. O bom dessas premiações é ter percebido que eu realmente posso fazer o que eu quiser, porque eu fiz isso nos dois primeiros álbuns – e olha só onde chegamos. Agora, me sinto ainda mais validada. Ninguém da minha gravadora me fala o que fazer, e eu me ofenderia se falassem. Eles confiam na minha visão e é por isso que funciona. A validação que o Grammy me dá é exatamente essa, de os outros entenderem que eu posso fazer o que eu quiser. Eu me sinto uma gênia, perfeita! (risos). Tem artistas que pagam equipes milionárias para pensar o que meu cérebro pensou sozinho… 

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É isso que te diferencia de outras artistas latinas?
É difícil. Muitas mulheres da indústria sofrem muito porque acham que precisam ter a aparência de 21 anos para sempre, senão não conseguem manter a carreira. Eu quero ser uma lenda, deixar um legado para meus filhos. Quero abrir um museu em que possa estar minha arte, além de muitas outras peças. Quero escrever para TV, cinema… Música é apenas uma das minhas habilidades.

Você é uma multiartista e tem até um perfil no Instagram para vender seus desenhos e ilustrações. Você sente que é mais fácil expressar determinados sentimentos no papel ou na música, por exemplo?
Meu processo é totalmente orgânico, tem a ver com como eu estou me sentindo. Atualmente, estou gravando várias músicas para outros artistas – artistas gigantes –, e me sinto obrigada quando vou para o estúdio. Miss Colombia demandou tanto de mim musical e criativamente que eu agora preciso regenerar esse meu lado, dar um tempo mesmo. Então, estou pegando leve, tentando tocar outros projetos mais relacionados à pintura e aos desenhos. Eu não gosto de me esgotar, sabe? Acho melhor fazer as coisas por partes, com calma, foco e intenção.

Um dos seus trabalhos artísticos é um calendário chamado “Las Niñas son la Esperanza”, as meninas são a esperança. Qual sua responsabilidade para com essas garotas sendo uma artista mulher e latina? Que outros trabalhos você desenvolve para inspirá-las?
Sou muito inspirada pela minha filha, Martina, ela é uma grande fonte de ideias. Muito do que eu faço é para honrar a menina que eu fui há 15 anos e para ser a pessoa que eu precisava que alguém tivesse sido para mim aos 11 anos. E aos 13, 16, 18, 21 anos (risos). Tem tantas garotinhas por aí que amam assistir meus vídeos, recebo o retorno positivo de muitos pais sobre isso. Eu sou mãe e, quando quero assistir algo com meu marido, procuramos coisas que sejam apropriadas também para as crianças. Mas nem sempre a gente vai querer ver aquele desenho super infantilizado, quase idiota. E não existem muitas opções no meio do caminho, sabe? Família é um dos principais valores para mim e isso guia o meu trabalho também. Não quer dizer que vá me privar de algo na hora de criar, mas eu posso entregar meu trabalho de um jeito que outros pais não precisem se preocupar com sexo ou violência, por exemplo, quando os filhos forem consumir minha arte. Não sou o tipo de artista que, de primeira, você já percebe que é “olha aqui meus peitos! Olha aqui minha bunda!” Se eu tivesse nascido em outro contexto ou me interessasse por esse tipo de música, talvez eu fizesse isso sem problemas, mas não é quem eu sou. Amo crianças, amo a infância, as possibilidades da imaginação. Se eu não fizesse o que eu faço, seria professora de escola, com certeza. Crianças são a oportunidade que nós temos para garantir um futuro, garantir que alguém vai tomar conta da Terra para que ela não desapareça. Quando você educa uma criança com amor, você está fazendo isso por toda uma sociedade. Considero os adultos uma causa perdida (risos). Pessoas com a minha idade ou mais: eu não acredito em vocês, sinto muito. E uma coisa em que presto muita atenção: se as crianças gostam de você, eu te considero uma pessoa muito cool. 

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“Muito do que eu faço é para honrar a menina que eu fui há 15 anos, para ser a pessoa que eu precisava que alguém tivesse sido para mim aos 11 anos. E aos 13, 16, 18, 21 anos (risos)”

Agora, falando sobre a pandemia, como foi esse período para você? Pessoalmente, artisticamente…
Olha… nós estamos ótimos. Todas as paredes e até o chão estão pintadas com giz de cera (risos), mas é isso. Meu estúdio fica no porão da minha casa e a gente se reveza: quando ele precisa tocar, eu fico com as crianças, e ele me rende quando eu preciso trabalhar. Nós somos um time e meus filhos são minha vida. A Martina tem uma espaço enorme para brincar no quarto dela e ela se sente livre lá. Meu filho está fazendo aulas online e, no resto do dia, ele gosta de tocar piano. Nós temos uma situação idílica de família. Acho que, por ser artista, eu integrei meu trabalho na minha maternidade ainda mais durante esse processo. Minha filha pode, sim, entrar no meu estúdio e sentar do meu lado para pintar se eu estiver fazendo isso. Ela se sente incluída, e eu acho que isso poupa tantas frustrações… Acho que se eu pudesse dar um conselho para as mães e pais, seria esse: faça com que seus filhos façam parte do seu trabalho. Porque as crianças entendem. Quando eu digo não para a Martina, ela entende, porque quando ela pode participar, ela sabe que vai participar. As crianças se alimentam da nossa energia.

E o que vem por aí em 2021?
Novos videoclipes de Miss Colombia, novas performances, com certeza. Também estou trabalhando na LidoTV, com novos quadros e produções exclusivas para meu canal no YouTube. E músicas novas para um próximo álbum.

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