
esde que eu era um adolescente, me lembro de diversas vezes que corrigi meus pais e alguns dos meus familiares quando eles usavam algumas expressões duvidosas, como “isso é serviço de preto”, durante seus diálogos. Dava para perceber que não havia maldade nessas falas, nada que fosse além de um preconceito estrutural que está (até hoje) presente na nossa educação como seres humanos.
E, embora seja muito fácil corrigir os outros por falas que são claramente problemáticas, ainda que ditas sem intenção alguma de ferir, é muito complicado perceber que até o mais atento desliza. Não sei quantas vezes pedi para “tirar a nega” com meus amigos durante alguma disputa qualquer, ou quanto categorizei uma situação triste como uma “judiação”.
Não se trata de politicamente correto, e sim de praticar um pouco mais de empatia e respeito ao próximo em nosso cotidiano
“Ah, mas o mundo está politicamente correto e chato”, você pode dizer. Não se trata disso, e sim de praticar um pouco mais de empatia e respeito ao próximo em nosso cotidiano. Se o ditado diz que as palavras têm poder, a verdade é que elas são o primeiro meio de contato entre os seres humanos, e, através delas, reforçamos comportamentos e atitudes pouco favoráveis às nossas relações interpessoais.

No ar há pouco mais de seis meses como uma conta no Instagram, o Dicionário Consciente é uma iniciativa de 11 jovens publicitários que vem jogar luz sobre construções linguísticas preconceituosas que temos, sejam elas racistas, gordofóbicas, xenofóbicas, homofóbicas ou transfóbicas. O que começou como uma tentativa de atenuar relações de trabalho e pessoais tóxicas tornou-se um processo de empoderamento e cura para Gabriel Damasceno, Gabriela Rodrigues, Walter Santos, Gabriel Sarti, Caroline Cardoso, Pedro Castro, Gabriela Bergantin, Bárbara Pires, Gabriel Mendonça, Glaucia Guerra e Leticia Araújo.
Produto de uma geração que está cada vez mais cedo incluída no mercado de trabalho, um mercado que busca diversidade para se reinventar, o Dicionário tem uma peculiaridade importante: a maioria de seus criadores ainda são estagiários, na casa dos 20 e poucos anos. São negros, LGBT, nordestinos, periféricos e mulheres que, até na branquitude privilegiada, sofrem com assédio moral e sexual. “Eu tinha um pouco mais de tempo na publicidade que o resto do grupo, e no início da minha carreira achei que o mercado as vezes um pouco excludente e não muito acolhedor. Ao mesmo tempo, quando eu tinha a idade deles, não tinha a consciência que eles têm hoje. Pra mim, era um absurdo deixar as coisas como estavam, e para eles já era um absurdo desde sempre, porque a consciência e o discurso que eles já têm é o que eu tenho hoje em dia. Foi uma troca muito igual entre nós. Eu não queria que o mercado continuasse assim, e eles me mostraram que não era só o mercado. Nada pode continuar assim”, explica Gabriela Bergantin, uma das mais velhas do grupo.
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