
lgo inesperado aconteceu na política brasileira ano passado, que não pode passar despercebido. Naquele agora distante 15 de novembro de 2020, 295 mil brasileiros saíram de casa, em pleno domingo, nas capitais dos estados, enfrentando o risco à vida que é a pandemia do novo coronavírus, para votar nas 117 candidaturas coletivas para vereador que disputaram a eleição. Essas pessoas corajosas foram 1,5% do total de 20 milhões de votantes das capitais. Pouco? Acho que não. Quantas revoluções comportamentais não começaram com muito menos?
Só 7 das 117 candidaturas coletivas nas capitais venceram. Pretas por Salvador (BA), Mandata Nossa Cara (CE), Coletivo Nós (MA), Coletiva BH (MG), Quilombo Periférico (SP), Bancada Feminista (SP) e Coletiva Bem Viver (SC) tomaram posse no início deste 2021 e, daqui a pouco, em fevereiro, quando começam as sessões nas câmaras municipais, elas têm a responsabilidade de renovar a aliança firmada com aqueles eleitores, espalhados pelo Brasil, que rasgaram a receita da velha política.
Especial para a Elástica, fui atrás de uma razão para 1,5% dos votantes irem contra a tradição política do país, que rotineiramente elege homens brancos sozinhos, trocando-os por essa novidade, feita majoritariamente de mulheres pretas unidas. Eu não achei uma razão, é bom dizer logo. Nem gosto de escrever reportagens em primeira pessoa, mas o que vi me arrebatou e deu esperança. Depois de 2020 todo mundo precisa de esperança, certo?
Esse 1,5% é a evidência que tem um Brasil aí nas ruas que não é misógino, que é antirracista e, por princípio, rechaça o egoísmo. E está próximo da gente. Em cada grupo de 69 votantes das capitais, 1 era desse tipo de revolucionário dos costumes políticos. Último país do Ocidente a abolir a escravidão em 1888, que instituiu o divórcio apenas em 1977 e que só em 2015 fez do feminicídio um crime hediondo, talvez o Brasil se lembre de 2020, no futuro, como o ano em que a política mudou.