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Cá entre nós, Among Us é mais Brasil que arroz com feijão

Antes de Guilherme Boulos e da esquerda se tornarem fãs, o jogo já era coqueluche silenciosa entre gamers em todo o Brasil

por João Varella 21 out 2020 23h49
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(Among Us/Reprodução)

Em plena campanha para prefeitura de São Paulo, o candidato Guilherme Boulos (PSOL) mentiu. Acusou que a equipe do Meteoro Brasil, do popular perfil do Twitter, de atos que ele próprio cometera. Rendeu gargalhadas dos participantes e da plateia.

Um dos atos da campanha mais chamativos do candidato do PSOL foi uma jogatina ao vivo do game Among Us com outros criadores de conteúdo famosos. Assim como Boulos na última corrida presidencial, Among Us foi lançado em 2018 dando traço de audiência. Só virou um sucesso inescapável dois anos depois, quando viralizou (com a covid-19 é melhor usar outra palavra), repercutiu nas redes sociais, de streaming em streaming. O Brasil teve papel decisivo na disseminação deste jogo em que a malandragem é uma virtude.

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E que bicho é esse?

Among Us brilha quando disputado entre amigos  algo importante num período marcado pelo distanciamento social. Barato (grátis no celular, cerca de R$ 10 no computador), rápido (cada partida dura cerca de dez minutos), não requer aparelhos avançados, ocupa pouco espaço (pesa só 250 MB). E, mais importante, exige pouca habilidade no controle.

Não é necessário ser alfabetizado em videogame para desfrutar o game. Qualquer pessoa capaz de brigar por mensagens de texto pode participar. A curva de aprendizado é suave e grupos que misturam pessoas com diferentes níveis de conhecimento no jogo ficam ainda mais Among Us parece o filme O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter e o jogo analógico A Cidade Dorme. O  game coloca até dez participantes controlando astronautas em trajes multicoloridos em uma nave. Um (ou mais) assume o papel de impostor. Aparentemente igual aos outros personagens, o impostor vence se matar os outros.

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(Among Us/Reprodução)

Em termos de videogame, trata-se, portanto, de um multiplayer assimétrico, comum em títulos de terror como Friday the 13th – The Game e Dead by Daylight. Um jogador faz o papel de bicho-papão enquanto os outros tentam sobreviver. Quando surgiu, o multiplayer assimétrico soava como uma forma de renovar os jogos online. Só Among Us parece ter cumprido a promessa.

No game, os tripulantes comuns cumprem tarefas simples e tentam identificar o vilão da vez. Caso alguém tenha alguma pista por pode chamar uma reunião. Rola um paredão: por votação, um jogador é expulso.

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É um momento em que desonestidade, argumentação excessiva e maquiavelismos são parte da diversão

No entanto, Among Us é uma obra independente que estourou de surpresa. O programa tem carências que, de certo modo, dão charme à experiência. A mais notória lacuna é a falta de uma comunicação por voz dentro do jogo. Para que os debates acalorados sobre quem o impostor fluam, o melhor é usar ferramentas como o Discord, que aliás deve mandar uma caixa de bombom em agradecimento à InnerSloth o programa de conversas teve recordes de downloads graças à popularidade de Among Us.

Isso cria uma necessidade de regras caseiras. O jogo com Boulous liberava falar durante a partida. Encontrei um grupo em que isso era proibido diálogo só no momento da votação. Foi uma experiência curiosa, havia jogadores que falavam das salas da nave espacial pelo seu nome específico, enquanto outro parecia perdido ao relatar que tarefas havia feito. Bateu a dúvida: era um novato ou alguém experiente fingindo?

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(Among Us/Reprodução)
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Terrir

Outro ponto forte é a direção de arte. Cartunesca com pitadas de cenas gore e música de filme de terror B, os uniformes são simples e coloridos parecem pedaço de Teletubie. Prato cheio para fazer humor e arte, não necessariamente nessa ordem. Alguns exemplos que andaram passeando pelas redes brasileiras:

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Um estranho no ninho

Os apps de celular mais populares são dominados por impérios capitalistas: Facebook, Google, Tencent, companhias que valem centenas de bilhões de dólares. A brava equipe de três funcionários da InnerSloth que criou Among Us é o equivalente à tribo gaulesa do Asterix nesse ranking. Segundo a consultoria Sensor Tower, a InnerSloth teve mais downloads em iPhone do que os aplicativos da Amazon, Alibaba, ByteDance (do Tik Tok). O app foi baixado mais de 85 milhões de vezes nos celulares.

Among Us tem tudo para figurar em livros de desenvolvimento pessoal no futuro (“A sutil arte de ligar Among Us”?), com lições de persistência. O jogo foi lançado em meados de 2018. O pico era de 30 jogadores simultâneos online nas primeiras semanas. A InnerSloth manteve o jogo atualizado, com novos conteúdos e melhorias. Também manteve diálogo com a comunidade, respondendo dúvidas e sugestões em fóruns.

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(Among Us/Reprodução)

Hoje bate a casa de 300 mil jogadores ao mesmo tempo só na plataforma de computadores Steam. É o terceiro título mais jogado lá, lidera a audiência na Twitch e é bem provável que o seu youtuber gamer favorito tenha publicado um vídeo sobre ele. Roubou de Fall Guys coroa de “jogo da festa”.

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Parte do mérito é dos streamers, o pessoal que joga videogame ao vivo em sites como a Twitch. Nomes populares como Ninja e Pewdiepie exibiram o jogo. Alguns aproveitaram a premissa para reunir outros amigos criadores de conteúdo é divertido ver as subcelebridades da comunidade gamer interagindo, mentindo um ao outro.

Muitos apontam Sodapoppin como o responsável pela popularização do título ‒ o próprio streamer também. Mas, espere um minuto, apertei o botão de reunião de emergência aqui: talvez ele seja um impostor.

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(Among Us/Reprodução)
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Diga lá, Tino

No final de 2018, quando Among Us era aberto por cerca de mil jogadores, Forest Willard, um dos três criadores do jogo, publicou que a audiência do jogo vinha principalmente de três países: Filipinas, Brasil e Estados Unidos, nessa ordem. Portanto, Brasil > EUA. No Twitter, Amy Liu, outra ponta do trio de autores, deixou claro que Among Us foi popularizado primeiro por streamers coreanos e brasileiros. Sodapoppin, meu caro, you are American.

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(Among Us/Reprodução)

Segundo a Sensor Tower, os EUA tem a maior parte dos downloads do game, com 20,5 milhões. O Brasil está na segunda posição com 16,6 milhões. Fazendo a regra de três com população, quantidade de smartphones e economia em geral, vejamos… noves fora, multiplica por x, sobe a raíz quadrada EPA! Chama o Olodum para tocar a música do Senna diante do Cristo Redentor que Galvão já pode gritar: AMONG US ÉÉÉÉÉ DO BRASIL (Sodapoppin foi ejetado).

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(Among Us/Reprodução)
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